EM SÃO MIGUEL O ANJO

sábado, 1 de outubro de 2011

DESABAFO

Nunca o medo em mim morou,
Nem o credo em mim suou,
Nem ideia manipulou,
Não de outro, de mim sou!
Não sirvo ideia que ventou,
Minha mente não furou.
Fique quem de min falou,
Que para si nunca olhou;
Nem tão pouco se julgou:
Do nada feito escapou,
Se o vazio lhe ficou,
Em nada participou,
Trabalho que censurou!
Sem lágrimas, como chorou?
Se com álcool soluçou,
A razão não encontrou,
Muito mais se chateou,
Não foi ele que falou!
Pois se a mente se esforçou,
E a razão não encontrou,
Muito mais se afundou.
E o juízo se afogou,
No líquido que encontrou
E nele se encharcou:
Destruição que lhe custou
O salário que ganhou.
E teso, teso ficou!
Em algo nunca acertou
Porque o vício não largou,
E seu caminho sempre errou!
Porque quis, pois se julgou,
Perto daquilo que sou,
E em caminho algum entrou.
Liberdade sua, embebedou!
Que para sempre o enganou,
E que revolta o ser que sou!
Caótico jamais estou,
No outorgar nunca errou,
Por outro ideal lutou,
Nesse óbice jamais estou,
Porque a chegar aqui custou!
Se sem sentido o cogitou
E se por nada se empolou,
Má ideia o baralhou:
Jamais correcto pensou.
Lutar o vício? - Não estou!
Cansado a força parou!
Não vêem quanto me dou?
Se a mentira abalroou,
A razão que me dotou,
E já que ninguém me escutou,
Jamais por aqui estou.
Se novos-ricos o frustou,
Sobre os quais acreditou,
Se na imprensa elogiou,
O que todo o cidadão aprovou,
Sociais normas que elevou,
Aquilo que somos e sou:
E se meia dúzia usurpou,
A verdade que falou,
Do colectivo onde estou...
Consciência vomitou,
Aquilo que eu era e sou.
P’ra quem sempre acreditou,
Na boa fé que o rodeou,
Quando novo espaço habitou,
Enganado se julgou!
Pois para todos trabalhou,
No servir que orientou,
Que a beleza ajardinou,
Que a natureza sempre amou!
E tudo se afundou,
Pois meia dúzia alienou,
Os valores que nos juntou!
A alma leve me ficou,
E o corpo força ganhou.
No passado já não estou;
Julgue-me quem se enganou!
Jamais o que vos era sou!
Jamais comigo alguém falou!
Jamais minha alma chorou!
Jamais do colectivo sou!
Pelo conformismo que assentou,
E nossos valores derrotou!
Jamais vossa célula sou!
Jamais! Jamais...
Adeus!
Eu me vou!..

 José Faria

VIDA DE PEDRA

DURA VIDA

A vida e labuta não menos dura do que a dos montantes pedreiros, que extraíam a pulso, ferro e fogo a pedra dos montes, encontra-se também no destino do seu produto acabado, extraído das pedreiras.
 
A pedra destinada à construção civil, onde os operários a encastelavam na construção de imóveis. Hoje, outros materiais vieram substituir a pedra, levando a pouco e pouco ao desaparecimento da sua extracção e dos artistas que a retalhavam e transformavam.
Mas também aí, nas obras, são as calosas mãos que vão criando a riqueza do património nacional, na construção civil, dos imóveis, pontes, túneis, auto estradas, fortalezas … cidades atrás de cidades, motor essencial da economia e da qualidade de vida das populações.

Afinal também por aí andei, nas pedreiras e nas obras, a partir dos onze anos, feito pequeno operário, no tempo em que as crianças tinham no trabalho mais uma forma ocupacional didáctica e construtiva, educacional. E recebia vaidosamente a minha féria semanal, que contribuía para o sustento da família de nove almas.
Por uns e por outros, deixei correr a pena da minha humilde veia poética para que, enfim, lembrasse e homenageasse esta “Dura Vida”.

                           DURA VIDA

 
Calosas mãos, sempre entorpecidas,
Seca a pele dura pelo cimento,
É também a branca cal esquecimento,
Só se mantém o saber em mãos feridas.

Saber de ti, qualidades esquecidas:
Noutros há onde não há esquecimento,
Que te dão, com fim no lucro, sofrimento:
Dilatando de riqueza ócias vidas.

Mais um dia sobrevives e são doridas,
As mãos que ao mundo dão aumento;
Dissipa-se o que é teu e de direito,
Restando a força nessa côdea que mastigas.

Sobre o solo as riquezas são erguidas,
Porque lutas contra a vida, contra o tempo:
De sadia existência há impedimento,
Quando às mãos que as cria são devidas.

Dão-te valor dóceis palavras fingidas!
Falsas razões, vás, que te são tormento:
Dá-te a fome obrigado ensinamento
E morrendo vais de forças emagrecidas.


Aos operários da construção