EM SÃO MIGUEL O ANJO

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

AO SABOR DA CRENÇA

 

NATAL


Eles andam por aí além,
Pelas areias do deserto;
Seguem a estrela de Belém,
Estão cada vez mais perto.
 
Dizem que vão adorar,
Um menino salvador;
Que vem ao mundo salvar,
Todo o mal e pecador.
 
Já perto de um pardieiro,
De um curral envolto em luz,
Num oásis da natureza;
 
Um pastor chegou primeiro
E os reis prendaram Jesus
Divino de toda a pureza

NOVA CAMINHADA

Vai pensando e pondera,
Sobre o ano que termina:
Que o tempo, o tempo altera,
E novo tempo vem ainda.
 
Não corras, desacelera,
Teu caminhar, tua sina;
Que a vida por ti espera,
Porque tem disciplina.


Educar o pensamento,
Toda a nossa caminhada,
Exige ponderação;


Só não tem caminho o vento,
No espaço e firmamento
Corre em toda a direção
 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

POETAS VIRGENS



✍️🤲📚📖
- Bocage a 15 de setembro de 1765,
- Faria a 15 de setembro de 1954.
Poeta ousado foi também o cidadão,
A quem me ligo com certa diferença,
Pelo humor revolucionário e devoção,
Entre o Bocage e eu ainda há parecença.
Só a influência do tempo e o chavão,
De uma outra era e de outra crença;
Nos separa do modelo, da intuição,
E da cultura literária sem ofensa.
Há duzentos e quinze anos, partiu o poeta - (21/12/1805)
Cento e quarenta e nove anos depois, nascia eu. (1805 - 1954)
Pelo quinze de setembro somos manos,
De igual literacia e igual treta,
José Faria🤔😏✍️
Nascimento: 15 de setembro de 1765, Setúbal
Falecimento: 21 de dezembro de 1805, Lisboa
Nome completo: Manuel Maria Barbosa l'Hedois du Bocage
Movimento literário: Neoclassicismo

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

NOSSO TEMPO


 

Nunca o tempo teve pressa,

Sempre teve o mesmo andar;

Não há tempo que o aborreça,

Nem tempo para descansar.

 

E a sua vida é essa,

De tempo para contar,

A quem ao tempo obedeça,


De o receber, de o dar.

 

Sempre presente e constante,

Mede a vida e a existência

De tudo que já nasceu

 

Conta o que está distante

Dum outro tempo e vivência

Neste tempo meu e teu

 

IV - XII - MMXX -José Faria


O LIDADOR MORREU


Chegaria aos cem anos o timoneiro,

Se não se desse à luta, a batalhar;

Onde com noventa anos foi primeiro,

A tirar a vida a Almoleimar.

 

Continuando mesmo ferido de morte,

Gonçalo Mendes da Maia prosseguiu;

Para mudar aos mouros sua sorte,

Até que muito fraco morto caiu.

 

Tendo em conta sua força e coragem,

E a idade na sua última batalha;

O Lidador é razão de homenagem;

 

Nos maiatos simboliza a linhagem,

De bom povo que luta e que trabalha,

Ainda a Maia lhe presta vassalagem,

 

06/08/2020 - José Faria

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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

ORELHA DE MONGE


A minha floresta ao pé da porta,
Cheia de outono e porvir da vida;
Espalha no chão natureza morta
Que vai ser primavera mais florida.

José Faria

Neste passeio atento ao descanso das árvores que se vão despindo, reparei naquela plantinha que nesta altura do ano, como que por milagre, surge nos velhos muros e em locais húmidos, como nos velhos troncos dos sobreiros e carvalhos do parque ao pé da porta.
Essa plantinha que em criança lhe chamava de “copinhos ou chapéus de chinês”, afinal são Umbilicus rupestres, também conhecidas por bacelos, cachilro, chapéuis-de-parede, cauxilhos, chapéus-dos-telhados, conchelos, orelha-de-monge, sombreirinho-dos-telhados e umbigo – de- vénus.
Os velhos sobreiros e carvalhos, os muros e o chão húmido e musguento, é o seu habitat preferido de nascimento e sobrevivência.
 

 

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

RENOVAÇÃO

Todos os dias são santos,
Todas as noites também;
Na vida não deixes prantos,
Nem na morte de ninguém.
 
No caminho há verdes mantos,
De onde a vida provém;
De séculos passaram tantos,
De idade que a terra tem.
 
Cada mundo, cada ser,
Cada espécie concebida,
É obra da natureza;
 
Nasce, vive e irá perecer,
E no seu lugar de partida,
Outro ocupante irá ter.

LIMPO REGRESSO

LIMPO REGRESSO 

Mantém a vida arrumada, 
A existência organizada, 
E a paz no pensamento; 
Pode a tua caminhada, 

Ter partida inesperada, 
Findar a qualquer momento. 
Limpa e purificada, 
Foi aqui tua chegada, 

Logo após teu nascimento; 
Mantém a vida arrumada, 
Termina cada jornada; 
Que foi dada ao teu tempo.                             

terça-feira, 17 de novembro de 2020

LENDA DA GUADALUPE DA MAIA

A LENDA DA GUADALUPE

A história sobre as razões da construção do templo à Senhora da Guadalupe, assenta num facto invulgar, que tem como autor, um homem simples, maiato, residente no lugar do Paço, da freguesia de Águas Santas, do concelho da Maia.
A história começa por volta de 1720 e 1740, quando João (nome fictício) foi acusado de um crime de morte que não cometera. Receando pela perda de liberdade e pela sua vida, fugiu para Espanha, tendo-se refugiado junto do Mosteiro da Guadalupe, numa das margens do rio Guadalupe. Por lá ficou e quase vegetou durante alguns meses.

O crime ainda não havia sido esquecido em toda a Maia, mas já se sabia que ele estaria inocento, e que teria sido outro o autor desse crime de morte.

Junto ao rio e ao santuário da Guadalupe, onde se recolhera, o aguasantense, ansioso por voltar à sua terra, prometeu a Nossa Senhora de Guadalupe que, se um dia pudesse regressar ilibado do crime de que era inocente, mandaria erguer uma ermida em honra da Santa.  


Como tal se verificou, vindo a ser identificado e preso o verdadeiro autor do crime, o maiato regressou ao lugar do Paço, onde logo começou a reunir todas as condições para cumprir a promessa, construindo a ermida, com a capela em honra de Nossa Senhora da Guadalupe, cuja imagem criada por um santeiro, com o menino num braço e o bastão no outro, igual à do Mosteiro da Guadalupe de Espanha, ocupa o altar. 


 Ora, tem sido meu cuidado complementar estas lendas que na Maia vou encontrando, com quadras descritivas de cariz popular.


Assim, porque o número sete é o número sagrado e mágico que rege os mistérios ocultos, as cerimónias religiosas e também a clarividência, descrevo a LENDA DA SENHORA DA GUADALUPE, do lugar do Paço, da freguesia e vila de Águas Santas do concelho da Maia, com estas 
7 quadras, para culturalmente enriquecer esta bonita lenda.

 

PROMESSA A GUADALUPE

 

No século dezoito, no lugar do Paço,


Em Águas Santas, terra maiata;


Uma agitação de estardalhaço,


Estremeceu o povo, gente pacata.

--

 

Um homem humilde, um trabalhador,


Fora acusado de um crime de morte,


A sofrer de medo, mágoa e dor,


Fugiu do país, dessa má sorte.

--

 

Pois de nada sabia o pobre coitado,


Do que era acusado, tão inocente;


Fugiu para Espanha, viu-se obrigado,


P’ra não ser linchado pela sua gente.

--

 

Este homem humilde por lá andou,


A deambular e a passar fome;


Junto a Guadalupe se refugiou,


Ao pé do rio com o mesmo nome.

--

 

Por fim conseguiu o seu sustento,


Vivendo angústia, saudade e cansaço;


Com a sua terra no pensamento,


Ansiava voltar ao lugar do Paço.

--


Prometeu um dia à Santa Senhora,


A Guadalupe com fé e amor;


Se fosse ilibado, pudesse ir embora,


Faria uma ermida em seu louvor.


 --

Foi descoberto do crime o autor,


E o homem do Paço logo se apressa;


Corre para Águas Santas todo feitor


Onde cumpriu a sua promessa.

 José Faria – 17/11/2020

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO


O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

 Vinícius de Moraes (pintura Júlio Pomar)

«E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.

E disse-lhe o Diabo:

- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:

- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. - Lucas, cap. V, vs. 5–8.»

 Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia

De sua grande missão:

Não sabia, por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião

Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato, como podia

Um operário em construção

Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia…

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão —

Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário,

Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela

Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia

Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário

Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento

Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário

Soube naquele momento!

Naquela casa vazia

Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia

De que sequer suspeitava.

O operário emocionado

Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário

De operário em construção

E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão

Desse instante solitário

Que, tal sua construção

Cresceu também o operário.

Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração

E como tudo que cresce

Ele não cresceu em vão

Pois além do que sabia

– Exercer a profissão —

O operário adquiriu

Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu

Que a todos admirava:

O que o operário dizia

Outro operário escutava.

E foi assim que o operário

Do edifício em construção

Que sempre dizia sim

Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas

A que não dava atenção:

Notou que sua marmita

Era o prato do patrão

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!

E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

Como era de se esperar

As bocas da delação

Começaram a dizer coisas

Aos ouvidos do patrão.

Mas o patrão não queria

Nenhuma preocupação

– “Convençam-no” do contrário —

Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário

Ao sair da construção

Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação

E sofreu, por destinado

Sua primeira agressão.

Teve seu rosto cuspido

Teve seu braço quebrado

Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário

Sua primeira agressão

Muitas outras se seguiram

Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível

Ao edifício em construção

Seu trabalho prosseguia

E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência

Não dobraria o operário

Um dia tentou o patrão

Dobrá-lo de modo vário.

De sorte que o foi levando

Ao alto da construção

E num momento de tempo

Mostrou-lhe toda a região

E apontando-a ao operário

Fez-lhe esta declaração:

– Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação

Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser.

Dou-te tempo de lazer

Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês

Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário

Que olhava e que refletia

Mas o que via o operário

O patrão nunca veria.

O operário via as casas

E dentro das estruturas

Via coisas, objetos

Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia

O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via

Misteriosamente havia

A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

– Loucura! — gritou o patrão

Não vês o que te dou eu?

– Mentira! — disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração

Um silêncio de martírios

Um silêncio de prisão.

Um silêncio povoado

De pedidos de perdão

Um silêncio apavorado

Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas

E gritos de maldição

Um silêncio de fraturas

A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz

De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram

Por outros que viverão.

Uma esperança sincera

Cresceu no seu coração

E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido

Razão porém que fizera

Em operário construído

O operário em construção.


Rio de Janeiro, 1959.