EM SÃO MIGUEL O ANJO

terça-feira, 24 de agosto de 2021

O BOI MORTO DE PEDROUÇOS - MAIA

 BOI MORTO

As fotos atuais, mostram a rua D. António de Castro Meireles, precisamente onde nos anos sessenta à sua direita só haviam bouças, e à sua esquerda um baixio de campos de cultivo descendo até um ribeiro que limita a Maia de Matosinhos (mais precisamente Pedrouços de São Mamede Infesta) e que desagua no rui Leça no lugar de Parada.
E foi aqui, segundo reza a lenda, contos e ditos e o nome que deram a este sítio “lugar do Boi Morto”, que terá morrido um boi afogado numa represa que ali havia. ou no ribeiro mais abaixo. Mas nada de concreto ou de resisto, apenas “diz-se que”!?
E com base no “diz-se que”, dei-me ao cuidado de dar literariamente consistência à lenda, contemplando com poesia, tal como fiz com outros “diz-se que” de outras freguesias da Maia.

LENDA DO BOI MORTO

- Pedrouços – Maia -

Andava certo dia o lavrador Lima no lameiro a cortar erva para o gado. Conforme a ia segando, ia-a deixando em montes à sua agachada passagem. O corte a olho ia certinho, mostrando bem a parte cortada a partir da linha de água. Tinha desatrelado os bois do carro junto aos moinhos sobre o ribeiro que nasce na cidade do Porto, no alto da Areosa e atravessa Pedrouços e Teibas em direção a Parada, para aí se juntar às águas do rio Leça.
Os bois andavam à vontade a pastar. Como ainda não tinha feixes de erva suficientes para encher o carro, e porque já eram mais do que horas para almoçar, pois já tinha tocado as duas no sino da igreja de Pedrouços, o Lima deixou o trabalho e foi ao tasco comer qualquer coisa na rua D. António Castro Meireles, a pouco mais de cem metros do campo. Um fígado de cebolada com batata cozida, um naco de broa e duas tigelas de verde tinto, restituíram-lhe as energias despendidas durante toda a manhã agachado a cortar erva. Ia segar mais uns 10 ou 15 feixes para encher o carro, e daria por terminada a faina.
Descendo a ladeira com a foicinha sobre o ombro e a fumar um pequeno Kentucky, regressou e dirigiu-se para onde tinha terminado o último corte. Deitou os olhos na direção dos moinhos para ver os animais e só viu um deitado à sombra. Olhou e voltou a olhar mais acima, mais abaixo, para ver se enxergava o outro também deitado. Nada. - Onde raio se meteu o animal? Pensou em voz alta. Foi na direção do que estava deitado à sombra do moinho. Quando chegou junto dele é que reparou que mais abaixo, o outro estava dentro do ribeiro. - Que raio, como é que aí foste parar?
E foi na sua direção. Mas começou já a imaginar o pior, o boi não se mexia, a água quase o cobria junto ao moinho. – “Meu deus, o meu boi está morto! Meu Deus quem me acode… o meu boi afogou-se!
 Alguns populares na rua ouviram-no e foram na sua direção para o ajudar. Nada a fazer. O boi terá escorregado ou talvez querendo beber água, aproximou-se demasiado do ribeiro e caiu lá dentro, precisamente junto ao moinho onde o ribeiro faz represa e é mais fundo. Com o corpo tapou a passagem da água que passa por debaixo do moinho e fê-la subir ainda mais cobrindo o animal que morreu afogado.
Tenha calma, sô Lima, tenha calma. Diziam alguns populares.
Daí que, ainda hoje, mais ou menos a meio dessa rua D. António Castro Meireles, (atravessada agora pela autoestrada) ser conhecido de lugar do Boi Morto-

 BOI MORTO

LENDA DO BOI MORTO

 

Ainda a aurora despertava,
Em raios cheios de encanto;
Já o lavrador guiava,
O carro de bois ao campo.
 
Foi à leira do lameiro,
Segar erva para o gado,
Junto ao moinho e ribeiro,
Pelos choupos sombreado.
 
Retirou o jugo aos bois,
Deu-lhes erva a comer;
Deixou-os num sítio os dois,
Onde os pudesse ver.
 
Ora fuma, ora assobia,
Com os feixes a aumentar;
Veio a fome e o meio-dia
E o momento de almoçar.
 
Subiu à rua, foi ao tasco,
Calar a fome danada;
Onde bebeu um verdasco,
Com fígado de cebolada.
 
Desceu de novo ao lameiro,
A cortar mais alguns molhos,
E na direção do ribeiro,
Atento deitou os olhos.
 
Só viu um boi, o castanho,
Enquanto descia o couto;
Achou aquilo muito estranho,
Onde se terá metido o outro.
 
Faltava-lhe o velho macho,
Porque estava este sozinho;
Vi-o no ribeiro abaixo,
Dentro de água, no moinho
 
Como foste aí parar?
Pensou alto o lavrador.
Se calhar foi se molhar,
Por estar tanto calor.
 
Quando chegou mais perto,
Viu que o boi não se mexia;
De água quase coberto,
Quase parada, não corria.
 
Quando o boi ali caiu,
A água terá tapado;
Que lentamente o cobriu,
Tendo aí se afogado.
 
Em desespero o lavrador,
Do mal que lhe aconteceu;
Chorava com mágoa e dor,
“Meu Deus, meu boi morreu”.
 
Fosse mentira ou verdade,
Isto há muito era contado;
Só lhe dei mais qualidade,
P’ró boi morto ser lembrado.

Narrativa e poesia de José Faria

 Reservados todos os direitos de autor.
- Publicado em Lendas da Maia

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