EM SÃO MIGUEL O ANJO

sábado, 4 de janeiro de 2020

O LUIS ADORMECEU NO MONTE



Tempos houve muito lá atrás da revolução de Abril de 1974, em que era muito difícil aos portugueses emigrarem, sem passaporte e sem razões que o estado o justificasse.
Assim, no tempo do regime político de ditadura fascista, para fugirem à fome, ao desemprego e ao cumprimento obrigatório do serviço militar com guerra no ultramar, muitos jovens emigravam, a salto. Muitos eram presos e considerados refratários. Nalguns casos ainda ajustavam contas com a Polícia de Intervenção em Defesa do Estado /DGS, e saiam bem magoados e marcados, quando saiam. (!?)
Davam o salto para Espanha e daí para França, Canadá, Alemanha, Brasil e outros países.
Haviam portugueses que se dedicavam a “passadores”, do género dos que hoje fazem o mesmo com os refugiados abandonados à sua sorte em embarcações.
Muitos foram os grupos, que a troco de uma determinada quantia de pagamento aos “passadores”, atravessaram montes e vales até Valença, onde, atentos e a coberto da noite, esperavam o render da guarda da fronteira, para darem o salto para o outro lado de Espanha.
Normalmente aguentavam horas encurralados a aguardar o momento mais preciso, de distração da guarda, para avançarem sem serem vistos. Por vezes atravessando o rio Minho nos sítios de menor profundidade.
Por lá andou também o Manel “pisco” na construção civil em terras de França, que viria a adoecer gravemente e que, sem meios, ainda conseguiu dar o “salto” de regresso para vir morrer a casa.
Menos sorte teve o Zé “greta”, que no barraco da obra em construção, adormeceu uma noite para nunca mais acordar, devido ao fogareiro que lhe aquecia a noite fria e lhe roubou a vida. Por lá ficou.
Numa dessas passagens a “salto”, o passador Luís levou mais um grupo, entre eles o seu irmão e o sobrinho. Já passavam das quatro da madrugada quando chegaram ao ponto de vigia para controlar a movimentação na fronteira. O luar estava claro, obrigando o grupo cansado e com sono, a ficar quase duas horas agachado no monte entre arbustos, de olhos postos no movimento dos carabineiros na fronteira e ponte sobre o rio Minho.
Por volta das seis da manhã, no render da guarda o Luís, diz ao grupo para avançar e o seguir, sem barulho.
Como coelhos temerosos, evitando a luz da lua, lá foram sorrateiros e conseguiram chegar ao lado de lá. 
“ Pronto, estamos em Espanha! Estão todos!? – e deitou os olhos ao grupo.
- O meu sobrinho, o José!?
Todos se entreolharam. Ninguém se apercebera se ele os tinha acompanhado ou não.
- Não me digas que ele adormeceu no monte!? – Exclamou o Luís.
Não podemos fazer nada, não podemos ir para trás, é muito arriscado.
Ainda esperaram algum tempo a ver se ele aparecia, mas tiveram que seguir caminho.
Na verdade, o José, moço dos seus 20 anos, cansado e ensonado adormeceu e ficou só no monte.
Só dois dias depois, quando o seu tio regressou a casa a Santo Tirso, se encontrou com o José, que lhe confirmou que tinha adormecido e que acordara só a meio da manhã.
Valeu-lhe a sorte de descendo à estrada, conseguir uma boleia de um camionista que o deixou a poucos quilómetros de casa.
Contos de José Faria


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