segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO


O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

 Vinícius de Moraes (pintura Júlio Pomar)

«E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.

E disse-lhe o Diabo:

- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:

- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. - Lucas, cap. V, vs. 5–8.»

 Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia

De sua grande missão:

Não sabia, por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião

Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato, como podia

Um operário em construção

Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia…

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

- Garrafa, prato, facão —

Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário,

Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela

Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia

Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário

Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento

Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário

Soube naquele momento!

Naquela casa vazia

Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia

De que sequer suspeitava.

O operário emocionado

Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário

De operário em construção

E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão

Desse instante solitário

Que, tal sua construção

Cresceu também o operário.

Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração

E como tudo que cresce

Ele não cresceu em vão

Pois além do que sabia

– Exercer a profissão —

O operário adquiriu

Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu

Que a todos admirava:

O que o operário dizia

Outro operário escutava.

E foi assim que o operário

Do edifício em construção

Que sempre dizia sim

Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas

A que não dava atenção:

Notou que sua marmita

Era o prato do patrão

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!

E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

Como era de se esperar

As bocas da delação

Começaram a dizer coisas

Aos ouvidos do patrão.

Mas o patrão não queria

Nenhuma preocupação

– “Convençam-no” do contrário —

Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário

Ao sair da construção

Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação

E sofreu, por destinado

Sua primeira agressão.

Teve seu rosto cuspido

Teve seu braço quebrado

Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário

Sua primeira agressão

Muitas outras se seguiram

Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível

Ao edifício em construção

Seu trabalho prosseguia

E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência

Não dobraria o operário

Um dia tentou o patrão

Dobrá-lo de modo vário.

De sorte que o foi levando

Ao alto da construção

E num momento de tempo

Mostrou-lhe toda a região

E apontando-a ao operário

Fez-lhe esta declaração:

– Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação

Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser.

Dou-te tempo de lazer

Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês

Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário

Que olhava e que refletia

Mas o que via o operário

O patrão nunca veria.

O operário via as casas

E dentro das estruturas

Via coisas, objetos

Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia

O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via

Misteriosamente havia

A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

– Loucura! — gritou o patrão

Não vês o que te dou eu?

– Mentira! — disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração

Um silêncio de martírios

Um silêncio de prisão.

Um silêncio povoado

De pedidos de perdão

Um silêncio apavorado

Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas

E gritos de maldição

Um silêncio de fraturas

A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz

De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram

Por outros que viverão.

Uma esperança sincera

Cresceu no seu coração

E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido

Razão porém que fizera

Em operário construído

O operário em construção.


Rio de Janeiro, 1959.

 


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O SOM DE OUTONO

O outono anda na lida,

A pintar a toda a hora;

As folhas no fim de vida

E depois deita-as fora.

 

Mas antes disso, a arte,

De calmas cores e beleza;

Anda por toda a parte,

Doce paz da natureza.

 

Fui o voo dedilhar,

Das folhas soltas ao vento,

Perdidas no seu perecer;

 

O saber do pensamento,

Não as soube acompanhar,

Falta de conhecimento.

José Faria

 

AMAI A TERRA

 

 AMAI A TERRA

 

Eu sou a mãe terra, sou a natureza,

Sou o sol, a verdade e a razão;

Sou o fogo, sou água, sou a grandeza,

A floresta, a respiração.

 

Sou tudo o que nasce, sou pureza,

Sou tudo que no planeta é criação;

Eu sou a vida, a vossa fortaleza,

Eu sou a vossa alimentação.

 

Sou a existência, o Deus e a oração.

O mito e a verdade que enobrece,

Os que me respeitam e me adoram;

 

De todas as vidas que na terra moram,

Sou o milagre que permanece,

Eu sou a verdade e sou a razão.

02/04/202 - José Faria


O CASTIGO

 

Em dois mil e vinte grita o despertar,

O aviso severo sobre a humanidade

Obrigando-a a pausar, ter que parar,

Para que a mãe terra se possa curar,

De toda a agressão à divindade.

 

O aviso e castigo está a germinar,

Em propagação com celeridade;

O planeta quer-se harmonizar,

A espécie humana anda a castigar,

Exige existência com mais sanidade.

 

E vai respirando enquanto castiga,

Vai-se limpando e despoluindo,

Mantendo o homem enclausurado;

 

A ficar quieto e sem fadiga,

Invisível castigo a isso obriga

A manter na terra tudo parado.

José Faria   

sábado, 24 de outubro de 2020

A BICHA MOURA DA MAIA

 - PORQUE A BICHA UM DIA CHEGOU À MAIA!?

"A lenda da Bicha Moura (ou Pedra Moura), refere-se ao Coteiro do Crasto (Monte do Crasto), onde se diz que uma Moura infeliz teria sido transformada em bicha, devido a erros cometidos.
Neste local existia um grande rochedo tão voltado para o caminho que, diz-se, parecia poder rolar por ali abaixo a qualquer momento. Seria em cima deste penedo que a Bicha Moura – enorme, e metade mulher metade réptil – apareceria em noites de luar pela meia-noite ou até mesmo durante o dia. Aí penteava os seus longos cabelos com um pente de ouro e ao deslocar-se deixava um rasto dourado. Ninguém podia aproximar-se dela, pois corria o risco de se transformar em bicha ou mesmo em pedra. Esta convicção inspirava medo em muitos madalenenses e o respeito de todos. Diz-se também que a Bicha podia tomar a forma humana, de sereia com cabelos compridos ." (https://pt.wikipedia.org/wiki/Madalena_(Vila_Nova_de_Gaia))
- E PORQUE UM DIA ALGUÉM EM SÃO PEDRO DE AVIOSO, NA MAIA, SE LEMBROU DE ESPALHAR A MESMA LENDA, DIVULGADA POR UM JORNAL LOCAL... DEI-ME AO CUIDADO, COM BASE NA NOTÍCIA, DE LHE DAR MAIS ÊNFASE COM ESTES VERSOS DESCRITIVOS, CONFORME CONTOU O PIELA SOBRE A BICHA MOURA.
A BICHA MOURA
DE SANTA MARIA DE AVISO
Em Santa Maria de Avioso,
Ou na sua proximidade;
Caminhava pesaroso.
Um homem de meia-idade.
Era um operário caloso,
De paz e de humildade,
Que certo dia trabalhoso,
Bebeu mais em quantidade.
Era noite e ao regressar,
Já depois de bem bebido;
Ficou parado a escutar,
Entre o silvado um gemido.
Não sabendo se de gente,
Ou de alguma cantadoura,
Imaginou de repente,
Ser grito de Bicha-Moura.
Sem saber o que fazer,
Pôs-se dali a andar;
Foi dormir, se recolher,
Vestido se foi deitar.
De manhã, mal acordou,
Ainda meio entorpecido;
Foi ao tasco onde contou,
O que lhe tinha acontecido.
Começou logo a dizer,
A quem estava presente;
A Bicha-Moura anda a comer,
Galinhas de toda a gente.
A história e a descrição,
Do trolha meio piela;
Correu na população,
E ainda se fala dela.
Havia até quem dissesse,
Que aquela bicha encantava;
Como se beleza tivesse,
E que qualquer um domava.
Mas isso nunca existiu,
Nem gemidos, gritos dela;
Nunca ninguém viu ou ouviu,
Foram invenções do piela.
José Faria

sábado, 10 de outubro de 2020

VIVA O POLVO REI DOS MARES


DIA MUNDIAL DO POLVO.

08/10/2020


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E se oito tentáculos tem o polvo, oito rotas mais extensas e puxadinhas conhece a minha bike ORBEA. E entre elas esta a rota da Senhora do Salto, santa das margens do rio Sousa que há muito estranha a minha prolongada ausência.

Assim, respondendo a esse apelo e para colocar a visita em dia, nada melhor que o dia mundial do polvo, percorrendo e pedalando uma dessas minhas oito rotas boas de pedalar pela mente e pela saúde, à saúde do Polvo e ao respeito e veneração à Senhora do vale do Sousa.

O polvo tão inteligente e animal único que é, reservou-me o seu dia para contemplar toda a paisagem de vales e planaltos até à senhora, cuja linda lenda me fascina e muito gosto, a qual divulgarei de novo, junto à sua Capela.

Voltando aquele que é homenageado hoje, no seu dia mundial, este senhor dos mares, com mais de 300 milhões de anos, pertence a uma das espécies mais antigas, logo a seguir aos dinossauros.

O seu corpo constituído por noventa por cento de músculos, pode caber em espaços do tamanho de uma moeda, já que entre eles não há ossos a estorvar.

Tentando imitar o camaleão, ou melhor, disfarçando-se perante possíveis predadores, o polvo muda de cor e de textura de pele muito rapidamente.


Tem cerca de 500 milhões de neurónios no cérebro e nos tentáculos, e com três corações e sangue azul, não quer dizer que são muito apaixonados ou muitos burgueses, embora existam pelo menos 300 espécies de polvos reconhecidas.

O mais engraçado e do desconhecimento de muitos de nós, humanos, que os consumimos, todas as espécies são venenosas, mas somente uma pode matar o homem: É polvo de anéis azuis.

Ora, e se uma fêmea pode colocar 100 mil ovos, se não forem comidos pelos predadores e se todos os ovos eclodirem, seriam cem mil novos polvinhos em cada postura. Na sua locomoção e armas como predador para prender as presas de que se alimenta, serve-se das suas 280 ventosas de cada tentáculo.

Pena é que a sua espécie poderá (ou não) estar em perigo, já que cerca de 50 mil toneladas de polvos são pescadas todos os anos, não sabendo os cientistas quantos polvos existem ainda nos oceanos.

Quanto a rotas, caminhos, estradas, quelhas, vielas, carreiros e trilhos, haverão sempre para todo e qualquer destino e o da Senhora do Salto é um deles.

VIVA O POLVO

HAJAM CAMINHOS.


Sobre a lenda da Senhora Salto:
A lenda tem duas variantes, uma é a do cavaleiro que perseguido pelo demónio, se apercebe tarde do precipício à sua frente, invocando aflito a Nossa Senhora. Apesar desse apelo caí nas margens do rio sousa, sobre as rocha que se transformariam em cera onde as patas e o focinho do cavalo se cravaram. Desta queda se criaram cinco buracos na rocha ainda hoje bem visíveis. A outra versão, embora semelhante à primeira, ao contrário de fugir do diabo, o cavaleiro apenas corria atrás de uma lebre, levando-o ao apelo à Senhora e a cair na mesma no abismo.
Esta lenda remonta a 1874, e foi registada pelo botânico Augusto Luso da Silva, que sendo poeta a descreveu desta forma:
LENDA DA SENHORA DO SALTO
Pela serra d'Abelheira,
Montado em nédio corcel;
Leva seguida carreira
Um cavaleiro donzel.
A barba luzente brilha,
Do orvalho que em gotas cai;
Fareja veloz matilha,
Que em roda saltando vai.
Não vê dez braças à frente,
Com tamanha névoa assim;
Ouve saltar de repente
Os cães a latir! Enfim...
Rompe-lhe rápida lebre,
Que ali lhe escapa o pé!
Deita a correr com tal febre,
Que nada teme nem vê.
A lebre corria adiante,
E ele atrás, sempre a correr;
Ia o cavalo ofegante
Já em suor a escorrer.
Ela ia de rabo alçado,
E o via a seguir atrás;
Por ter os olhos de lado,
Que fino que é satanás.
Mas eis que chegando à beira,
Daquele abismo, saltou;
E no inferno matreira,
Pelo rio se escapou.
Ele ia, enfim, sem receio
E cego, a bom galopar;
Não pôde reter o freio,
Sente o cavalo no saltar.
E sente no ar a corrente
Que as faces cortar-lhe vem;
Vê-se suspenso e pendente,
Sobre o abismo também!...
Valei-me Virgem Senhora,
Valei-me, sou pecador;
Por mim não, mas por ela agora,
Que sois todo o seu amor.
E sem o menor abalo,
(Tal não viu Nazaré)
Firme se achou no cavalo
Na parte oposta do pé.
Mui contrito e arrependido
Feria o peito com a mão;
E se votou decidido
Da Virgem à devoção.

Augusto Luso da Silva.

PASSEIO SENIOR DE PEDROUÇOS 2025

MAIS UM DIA HISTÓRICO DOS SÉNIORES DE PEDROUÇOS – MAIA Como vem sendo habitual, o mês de setembro traz consigo o grande passeio de convívi...