Manuel
era um petiz de palmo e meio
(ou
pouco mais teria de verdade),
De
rosto moreninho, e olhar cheio
De
inteligente e enérgica bondade.
Orgulhava-se
dele o professor…
No
porte e no saber era o primeiro.
Lia
nos livros que nem um doutor,
Fazia
contas que nem um banqueiro.
Ora
uma vez ia o Manuel passando
Junto
ao adro da igreja. Aproximou-se,
E
via à porta principal um bando
De
homens a olhar o quer que fosse.
Empurravam-se
todos em tropel,
Ansiosos
por saberem, cada qual,
O
que vinha a dizer certo papel
Pregado
com obreiras no portal.
“Mais
contribuições!” - Supunha um.
“É
prás sortes, talvez!” – Outro volvia.
Quantas
suposições! Porém nenhum
Sabia
ao cero o que o papel dizia.
Nenhum
(e eram vinte os assistentes)
Sabia
ler aqueles riscos pretos.
Vinte
homens, e talvez inteligentes,
Mas
todos – que tristeza! – Analfabetos!
Furou
Manuel por entre aquela gente
Ansiosa,
comprimida, amalgamada,
Como
uma formiga diligente
Por
um maciço de erva emaranhada.
Furou,
e conseguiu chegar adiante.
Ergueu-se
nos pesitos para ver;
Mas
o edital estava tão distante,
Lá
tanto em cima, que não o pôde ler.
Um
dos do bando agarrou-o então
E
levantou-o com as mãos possantes
E
calejadas de cavarem o pão…
Houve
um silêncio entre os circunstantes.,
E
numa clara voz melodiosa
A
alegre e insinuante criancinha
Pôs-se
a dizer àquela gente ansiosa,
Corretamente
o que o edital continha.
Regressava
o abade do passal,
A
caminho da sua moradia.
Como
era já idoso e via mal,
Acercou-se
para ver o que haveria…
E
deparou com este quadro lindo
De
uma criança a ler a homens feitos;
De
um pequenino cérebro espargindo
Luz
naqueles cérebros imperfeitos…
Transpareceu
no rosto ao bom abade
Um
doce e espiritual contentamento,
E
a sua boca, fonte de verdade,
Disse
estas frases com um brando acento:
-
“Olhai, amigos, quanto pode o ensino…
Sois
homens; alguns pais e até avós.
Pois
só por saber ler, este menino
É
já maior do que nenhum de vós!”
Augusto Gil, Versos
Do
livro de leitura (parte II (2º ano)
De
1950